Na recta final do seu mandato, o Procurador-Geral da República (PGR) de Angola, general João Maria de Sousa, continua a mostrar a razão pela qual foi escolhido para ser o PGR do MPLA. Ao mesmo tempo em que é acusado nos EUA, garante que não recebeu qualquer carta rogatória proveniente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa pedindo que o ex-vice-Presidente angolano Manuel Vicente seja constituído arguido.
Em causa está a “Operação Fizz”, na qual Manuel Vicente é acusado de ter presumivelmente corrompido o procurador português Orlando Figueira para que arquivasse dois inquéritos, um deles o caso Portmill, relacionado com a alegada aquisição de um imóvel de luxo no Estoril, em Portugal.
Em conferência de imprensa, o Procurador-Geral da República de Angola, general João Maria de Sousa, adiantou que, tratando-se de uma diligência judicial, há dúvidas se ela foi dirigida à PGR ou a um tribunal judicial de Angola.
“No caso, tratando-se do cumprimento de uma diligência em que é visada uma figura como é o vice-Presidente cessante, o competente para cumprir essa diligência seria o Tribunal Supremo”, disse João Maria de Sousa, sublinhando que “só por defeito essa carta rogatória seria remetida ao Tribunal Provincial de Luanda”.
“Mas, concluindo, nós não recebemos ainda qualquer carta rogatória recebida pelo referido tribunal”, reiterou João Maria de Sousa, que na sexta-feira viu o Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público deferir a sua jubilação, aos 66 anos e depois de 40 anos de serviço, 10 dos quais como Procurador-Geral da República… do MPLA.
Até 2 de Dezembro, o Presidente angolano terá por isso que nomear um novo procurador, sob proposta do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público.
Na origem da “Operação Fizz” estão alegados pagamentos de Manuel Vicente, num valor estimado em 760 mil euros, ao então magistrado do DCIAP Orlando Figueira, para obter decisões favoráveis.
Na carta rogatória enviada a Angola, com a data de 7 de Novembro, o juiz Alfredo Costa solicita às autoridades angolanas que Manuel Vicente seja “constituído arguido nos termos do documento junto, devendo-lhe ser-lhe lidos os deveres e direitos processuais aí constantes”.
O juiz solicita ainda que seja notificado de “todo o conteúdo da acusação proferida nos autos”, explicando que dispõe de 20 dias, contados a partir da data da notificação, para requerer, caso assim o entenda, a abertura da instrução.
No documento, o juiz lembra que os autos assumem “natureza urgente pelo facto de o arguido Orlando Figueira se encontrar em medida de coacção privativa de liberdade desde 23 de Fevereiro de 2016”.
A juíza de instrução Ana Cristina Carvalho confirmou os crimes constantes na acusação e decidiu mandar para julgamento Manuel Vicente, por corrupção activa em co-autoria com Paulo Blanco e Armindo Pires, branqueamento de capitais, em co-autoria com Paulo Blanco, Armindo Pires e Orlando Figueira, e falsificação de documento com os mesmos arguidos.
Um PGR (do MPLA) famoso
Agora ficou também a saber-se que Higino Carneiro, João Maria de Sousa, António Francisco Andrade, Kenehle e a procuradora da República Natasha Andrade Santos são acusados por uma empresa norte-americana (a respectiva queixa já deu entrada num tribunal de Washington) de burla e quebra de contrato. A acção em tribunal, conta a Voz da América, foi movida pela Africa Growth Corporation.
A República de Angola é também citada como conivente pela burla avaliada em dezenas de milhões de dólares e envolvendo propriedades imobiliárias de apartamentos.
O caso deu entrada no tribunal em Washington DC no passado dia 15 de Novembro e já foi nomeado um juiz para analisar o caso.
A companhia faz-se representar por dois advogados e, como é de direito americano, a Africa Growth Corporation pediu que o caso seja analisado por um júri que irá decidir sobre a culpabilidade ou não dos acusados.
A Africa Growth Corporation especializou-se na criação de companhias de investimento no mercado imobiliário na África Austral e na aquisição, operação e financiamento de bens imobiliários.
O director executivo da companhia é Scott Mortman que, segundo diz o seu perfil no portal da companhia, para além de representar clientes em redor do mundo como advogado, foi durante “vários anos conselheiro do Governo em comércio internacional e investimentos”.
Mortman é também um defensor da “necessidade de maiores investimentos privados na África dub-sahariana”
A disputa envolve a compra pela companhia americana de várias propriedades em Angola, incluindo prédios de apartamentos que foram posteriormente alugados e que, segundo alega, a empresa americana foram posteriormente transferidos ilegalmente para a procuradora Natasha Andrade Santos.
O caso terá que envolver o estudo de uma complicada rede de negócios que envolve uma companhia angolana, Illico, que pertence à companhia ADV, que controla a esmagadora maioria das acções na AGVP, proprietária de um dos edifícios em causa e que é gerida por seu turno pela Africa Growth Corporation.
A Illico tem direitos sobre um terreno onde foi construído um projecto de apartamentos.
O general Higino Carneiro teria autorizado a transmissão desse terreno (que era propriedade do Estado) para a filha do general António Francisco Andrade.
As audiências deverão também esclarecer o modo como o general António Francisco Andrade se tornou subitamente director da Illico, através de uma série de manobras que os investidores americanos dizem ser fraudulentas e envolvendo o consenso das autoridades judiciais angolanas.
A Procuradoria-Geral da República teria ignorado uma queixa apresentada pela AGVP sobre as acções ilegais que privaram a AGVP dos seus direitos.
Analistas dizem que as autoridades angolanas e os acusados já deverão ter sido avisados da acção em tribunal, restando agora saber se tencionam defender a sua posição no tribunal americano ou irão (como tem sido regra) ignorar o caso.
Caso decidam ignorar o processo, as autoridades angolanas e os acusados correm o risco de ver o júri, sem mais delongas, decidir a favor dos queixosos.
Em consequência, se tal acontecer, o tribunal ordena a apreensão de bens angolanos no estrangeiro para liquidar o que lhes é devido que, segundo os queixosos, ascende a mais de 50 milhões de dólares.
Do ponto de vista da credibilidade nacional e internacional, este caso que poderá servir de teste ao empenho do Governo de João Lourenço em combater a corrupção.
Folha 8 com Lusa